quinta-feira, 26 de junho de 2014

Resenha do livro 'Ensaio sobre a cegueira', de José Saramago

Deixei de lado meu receio pela leitura brasileira e comprei o livro de José Saramago, o qual já havia ouvido falar e lido excelentes críticas. Essa foi uma aquisição feita após perambular uma hora pela livraria sem me interessar por absolutamente nenhum livro (algo que dificilmente acontece, depois de meia hora já tenho três ou quatro nas mãos e quero todos). Pois bem, escolhi o livro e fui para o caixa. Como todo leitor fanático, abri ele, admirei e senti aquele aroma inigualável de livro novo. No dia seguinte comecei a ler, e finalmente entendi sobre do que se tratava uma leitura pesada.

Nesse livro não existem travessões para as falas, elas iniciam em meio a narrativa do escritor. Normalmente iniciam com letra maiúscula após uma vírgula e assim sucessivamente. Não é necessariamente algo fácil se adaptar a um novo estilo, até mesmo porque esse em especial exige cem por cento da atenção do leitor. Não pode haver barulho algum, nada - absolutamente nada - que o distraia. A mente em si não pode se perder muito nos acontecimentos e pensamentos sobre, pois acaba confundindo as informações relatadas em seguida. Apesar de todo o esforço necessário para esvaziar totalmente a mente e ficar recluso de qualquer contato social, a leitura valeu muito a pena. A frase de abertura do livro já me garantiu que a narração seria algo inovador no meu campo de conhecimento literário.




O diferencial de Saramago

Nessa obra de Saramago não existem nomes. Os personagens principais são: o cego, a mulher do primeiro cego, o médico ou doutor, a mulher do médico, a rapariga dos óculos escuros, o homem com venda preta e o rapazinho estrábico. Foi outro aspecto que achei interessante, porém, de alguma maneira, facilitou a leitura. A questão de usar nomeações e deixar de lado o nome da pessoa foi o que tornou a história do livro tão envolvente, como se transmitisse a mensagem de que não importa quem seja aquela pessoa, ela passa pela mesma situação e enfrenta o mesmo problema. em um mundo de cegos, não há identidade ou diferença. Saramago retirou os títulos e honrarias de qualquer personagem, apresentando-o como uma pessoa normal com suas reações e seu caráter verdadeiro em meio a uma situação impensável e aterrorizante.


Uma história surpreendentemente aterrorizante

Na primeira página do livro, o mix de mistério de drama já começa. Há um homem que está parado no semáforo, observando a luz vermelha e esperando-a ficar verde para poder avançar. De repente, tudo fica branco. Como o escritoe relata diversas vezes na história, "apenas via uma nuvem branca". Nesses momentos os carros que estão atrás começam a buzinar incansavelmente e as pessoas, algumas nervosas e outras preocupadas, vêm até o encontro daquele motorista para saber o que aconteceu. "Estou cego", ele diz. Nesse instante, apesar de sentir medo e aflição, ele é acudido por almas caridosas, que se sentem preocupadas e quem ajudá-lo. Entretanto, foi a partir da declaração feita pelo personagem inicial que a história desencadeou de maneira surpreendente. Aquele homem que ficou cego sem motivo aparente relata o caso para sua esposa, e ambos vão procurar um oftalmologista. Nem o médico dos olhos e nem mesmo Saramago nos satisfaz com a explicação do porque essa cegueira repentina apareceu, e durante o livro você acaba se perguntando se é um castigo ou alguma prova, se está relacionado a Deus ou se as próprias pessoas são causadoras desse mal.

Nem mesmo a primeira vítima ou seus amparadores sabiam que aquela cegueira era contagiosa. O fato que ocorreu em seguida foi que todas as pessoas que tiveram alguma aproximação com o motorista cego acabaram cegando, e assim sucessivamente, até que quase todas as pessoas, no mundo inteiro, perderam sua visão - o mudo era agora uma nuvem branca. Digo quase todas porque - e essa é a personagem que dá o desenrolar de grande parte da história - a mulher do médico parece ser a única exceção à medonha epidemia de cegueira, o que no começo parece ser uma vantagem - olhos em um mundo cego. Entretanto, é durante a leitura que se percebe o quão difícil é carregar o fardo de enxergar todas as falhas humanas, o que faz com que a personagem diversas vezes deseje ter o mesmo destino dos demais.

No início, da epidemia, quando o desespero toma conta do governo e das demais pessoas, as autoridades trancafiam um grupo contagiado - os personagens citados anteriormente - em um manicômio, onde a sua sorte foi ter como guia a mulher do médico, que mentiu para os demais afirmando que estava cega, afinal, não poderia abandonar seu marido nessa situação. Ela esconde de todos - menos de seu companheiro - que não foi atingida pelo contágio, buscando conhecer e tentando auxiliar o máximo possível as pessoas que estão naquela situação desagradável, sendo tratadas como uma doença fatal, em um lugar repleto de escadas, sem água ou um banheiro decente.

O legado da nuvem branca

Conforme o tempo passa, chegam mais e mais vítimas da cegueira ao manicômio, até que a capacidade máxima lota o ambiente. A ração - como chamam a comida que recebem - começa a faltar e, em meio a mais de duzentas pessoas, o verdadeiro - e na maior parte das vezes mau - caráter brota e atinge a todos. Alguns se unem para se ajudar, outros, para prejudicar os demais. Nessa luta cega pelo ego e orgulho, vidas são ceifadas, traições são cometidas, abusos de todos os tipos são sofridos. É uma leitura dura, e digo isso no sentido total da palavra, onde as frases irão atingir você de tal forma na qual se sentirá obrigado a absorver aquilo como uma verdade do mundo, e não apenas de uma história ficcional - por pior que seja. Uma leitura que irá fazer nascer sentimentos de revolta, angústia, raiva, nojo, emoção e amor que, ao final do livro, serão unidos e trarão ao leitor uma nova perspectiva sobre a vida ao seu redor, ou melhor, sobre as pessoas que o rodeiam. Um livro que faz você pensar, "e se isso acontecesse comigo agora mesmo? Qual dessas personagens eu me tornaria?"

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