quarta-feira, 18 de junho de 2014

Quando o destino dá uma segunda chance

Silêncio absoluto. Laurie abria seus olhos devagar, tentando de acostumar com a claridade que invadia cada canto do cômodo – ao qual ela nunca havia lembrado de ter visto. Sua cabeça latejava, e, em meio ao silêncio sepulcral no qual se encontrava, suas memórias gritavam incessantemente. “Parem. Me deixem em paz!”, ela ordenava aos seus pensamentos. Após 15 minutos, ela conseguiu lidar com aquela situação e tentou se situar. “Aonde diabos estou?”, pensou consigo.

- Marty? Marty, onde você está? – ela falou, alto o suficiente para que qualquer pessoa que estivesse por perto a ouvisse. Não havia ninguém. “Não vou deixar que você tome conta de mim”, ela bradava contra o desespero. De fato, ela precisava urgentemente de sua sanidade naquele momento, caso contrário, estaria perdida – como outras pessoas estavam.

- Tem alguém aí? Por favor, não sei como vim parar aqui – disse. Nesse momento, quando já havia passado cerca de uma hora desde que acordou, sentiu dor no braço. Estava formigando, assim como todo o seu corpo. A sensação não era nada agradável e estava deixando-a perturbada, além de psicologicamente exausta.

Tentando deixar essa sensação de lado, levantou e foi dando passos lentos em direção a porta de saída, ela respirou fundo duas vezes e a abriu. A cena era devastadora. Haviam chamas quase apagadas, crateras, árvores com folhagem morta, um cheiro de excreto insuportável. “Meu Deus”, ela suspirou.

- E o que Deus tem a ver com isso, Laurie MacCwood? – disse o homem que estava do outro lado da rua, mas que ela jurava que não estar ali há um minuto atrás.

- Q-quem é você? – gaguejou a garota. Estava amedrontada e, convenhamos, tinha seus motivos.

- Estamos em lugar nenhum. Absolutamente do meio do nada. As únicas pessoas que você verá aqui perderam sua sanidade há anos e jamais saberão quem você é, e você está preocupada com quem EU sou? – o homem misterioso deu ênfase ao falar de si, e perguntou algo que a deixou sem palavras - Talvez a pergunta seja, quem é você nesse mundo sombrio? Por que está aqui?

Laurie não sabia. Sua mente tentou ao máximo recordar o que havia vivido nas últimas horas. Havia chego em casa, subido, tomado banho e ido deitar. E então, por algum motivo que aparentemente não envolvia Deus, ela acordou ali.

- Difícil não é? Bem, talvez devêssemos voltar um pouco no tempo. Vou ajudar você – e ele deu um sorriso malicioso – há algo que você tenha feito para que mereça estar aqui?

Laurie se sobressaltou.

- Não tenho a mínima ideia de quem é você. Como ousa querer saber algo da minha vida, se nem ao menos nome você tem? – gritou a garota.

- Ora, ora. Não leio pensamentos senhorita MacCwood, mas, já que pediu com tanta delicadeza, lhe respondo. Meu nome é Gabriel, e estou aqui para tentar lhe mostrar a real pessoa que você é.

“Gabriel? Anjo Gabriel? Não Laurie, não seja louca!”, pensou ela, achando estar perdendo sua sanidade apenas por cogitar aquela ideia de que anjos existissem, e jurou que Gabriel estava sorrindo naquele momento.

- Não fiz nada para merecer estar aqui. Quero voltar para o lugar aonde pertenço – disse Laurie, em tom desafiador.

- Mas você está em um lugar ao qual pertence. Bom, você está no lugar ao qual merecerá pertencer, e não me olhe braba, isso é mérito seu – disse o homem que, apesar de possuir um nome, continuava a possuir um ar misterioso.

- Um lugar ao qual vou me fazer pertencer? Você por acaso veio do futuro? – ela estava realmente perdendo a paciência.

- Não. Veja bem, estou tentando ajudá-la. 

- Me ajudar?! Você não me conhece, como acha que pode me ajudar?

- Doce Laurie – disse Gabriel, com uma voz atenciosa – desde pequena, sempre apegada aos pais. Cresceu, sofreu perdas irreparáveis. A dor devastou seu coração e tirou sua razão. Conheceu um novo mundo, tão escuro e sombrio, mas se entregou a ele. Chora todas as noites procurando consolo, roga por Deus, mas prefere ir ao encontro do diabo...

Laurie ficou atônica. “Como ele sabe disso? Nunca contei para ninguém. Nunca chorei alto. Nunca compartilhei o que sinto”, pensou em uma fração de segundo. Seu sangue corria rápido em suas veias, seu coração acelerava, seus pensamentos dançavam e se misturavam. A confusão era total.

- Como você sabe disso? – ela havia abaixado o tom de voz, e, como uma típica pessoa confusa, estava olhando para baixo, mas não enxergava nada.

- Você não está focando no importante. A pergunta que merece resposta é: será que vale a pena continuar com isso?

Para melhor compreender o rumo que a história irá tomar, cabe aqui uma breve explicação, mas necessária para o entendimento alheio. Laurie havia perdido seu pai em um acidente de carro. Ela era filha única e viu sua mãe aos poucos se entregar para a loucura, a qual obrigou-a a internar a única pessoa que amava em um sanatório, pensando estar cumprindo seu papel de boa filha. Seus tios haviam oferecido sua casa para ela passar um tempo, mas ela descobriu o quão aproveitadores eles eram e saiu de lá o mais depressa possível. Conheceu Lilie, e com ela, as drogas. Se entregou a todo tipo de vício. Largou os estudos. Trabalhava como garçonete para pagar a pensão do barraco onde morava e havia entrado no mundo da prostituição. Agora, com a explicação dada, retornemos aos acontecimentos seguintes.

- Eu não tive escolha – ela sussurrou.

- Você teve escolha, mas escolheu o caminho mais simples. E ele muitas vezes pode ser o mais fácil para percorrer, mas a dor não vale a pena. Ou vale? – perguntou Gabriel.

- Não. Mas agora está feito. Não há que eu possa fazer para modificar minhas atitudes – contornava a garota.

- Apenas aquelas que você já tomou. E quanto as que irá tomar? – indagou o homem.

- As que irei tomar? Que decisão você acha que eu vou ter que tomar nesse fim de mundo? – perguntou Laurie, se irritando novamente.

- Esse fim de mundo vai ser o seu fim. Você estará destinada a viver vagando em meio a essas pessoas insanas pelo resto de sua eternidade – bradou Gabriel.

- Não. Não. Eu vou ficar louca! Se já não estou... – e se interrompeu.

- Cada pessoa no mundo possui uma história. Ao fim de cada vida, diferente do que contam nessas estórias que passam de boca em boca, mas nunca provam ter fundamento, cada uma é destinada para um mundo – aquele que construiu – disse ele. 

- Mas eu não construí esse mundo destruído – ela disse, mas no fundo, soava como uma indagação.

- Nenhuma das pessoas que está aqui acha que o fez. Mas no fundo, acabaram enlouquecendo por descobrirem que merecem estar aqui – respondeu Gabriel.

- C-cada uma das pessoas que está aqui já morreu? Então eu morri? – e o corpo dela tremeu.

- Não, ainda não. Embora, com a vida que leva, talvez não demore muito. Mas, existe algo chamado ‘segunda chance’. É o que tento dar para cada ser humano. Tento lhe mostrar a que lugar irá pertencer e, se ele me escutar, terá um destino totalmente diferente. Mas, aqueles que decidiram achar isso uma bobagem, bom... são pessoas condenadas a própria loucura – as palavras dele foram um golpe nela.

Laurie estava assustada, como nunca estivera em toda a sua vida. Ela repensou cada passo que havia dado para o caminho errado depois que internou sua mãe, e lembrou há quanto tempo não ia visita-la. Após alguns instantes, ela disse:

- Já não sei qual é o sentido da vida para mim. Talvez eu deva pertencer a esse lugar.

- O sentido da vida é um só: viver. Como você o utiliza é o que faz toda a diferença.

“O que faz sentido aqui? Provavelmente nada! Já não faço mais sentido mesmo...”, e nesse momento, Gabriel disse:

- Mas pode fazer.

- Ei, você disse que não podia ler pensamento.

- A menos que eu não queira. Mas você fala muito pouco e está me deixando incomodado com esse silêncio. Uma pequena interrupção em um pensamento tão desconexo não vai piorar sua situação.

- Obrigada por admitir que ela está horrível.

- Mais uma vez, isso fica a seu critério.

De muitas formas, Gabriel a irritava, mas no fundo, ela entendia o que ele queria dizer e não protestava mais.

- Ok. Há um mundo melhor, repleto de flores e alegria. Como eu faço para conseguir ele?

- Quatro suposições ilusórias. Não há um mundo melhor, há uma eternidade melhor. Você não consegue, você vive para alcancá-lo. Não é repleto de flores e alegria, mas de pessoas como seu pai, que estão lá aguardando o reencontro. E, por fim, não é como você faz, mas como você vive.

- Meu pai? – essa era a única parte de todo o comentário que havia atraído a atenção dela.

- Sim. Ele está lá. E posso garantir que espera você, assim como espera sua mãe, que logo deve estar chegando.

Uma lágrima caiu do olho direito da menina. Naquele momento, ela desejou mais do que tudo uma segunda chance, que Gabriel desse a ela a oportunidade de se reencontrar e viver com seus pais – o desejo que ela mais nutria em seu coração.

Não foi preciso mais nada. Já ouviram ou leram como atos de fé sinceros são atendidos? E esse foi. Laurie acordou em seu quarto, o qual dividia com mais cinco garotas que tinham o mesmo estilo de vida que ela. Entendeu enfim que aquela havia sido sua segunda chance – e que não há terceira. Se ela conseguiu alcançar o seu objetivo ou não, ficou ao seu próprio encargo, da mesma maneira que fica ao meu ao seu chegar aonde se deseja. A realidade é que cada um vive a vida que quer, destinando-se ao futuro que merece. Mas o futuro, para muitos, é apenas algo que não faz sentido exigir preocupação, mas, quando ele chega de repente, qualquer um se assusta e amedronta com aquilo que vê. E você, o que você anda fazendo com o sentido da vida? Que tal uma viagem ao futuro?

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